PARECER
Objeto: Cumprimento das
800 horas letivas previstas pela LDB e do 1/3 de horas atividade determinado
pela Lei do Piso Nacional do Magistério.
Respondemos, a seguir,
consulta que nos foi formulada pelo CPERS/SINDICATO sobre a interpretação
jurídica que se deve fazer do disposto no inciso I, do artigo 24, da Lei Federal
nº 9.694/1996 (LDB), que prevê a carga horária mínima anual de 800 horas, no
ensino básico, diante da norma do §4º, do artigo 2º, da Lei Federal nº
11.738/2008 (Lei do Piso Nacional do Magistério), que estabelece o limite máximo
da jornada de trabalho do magistério, nas atividades de interação com o
educando, em 2/3 da carga horária.
Ou seja, as medidas
adotadas pela Secretaria da Educação do Governo do Estado, para o cumprimento do
1/3 de horas atividade na jornada de trabalho do magistério, estão criando nova
interpretação sobre o módulo aula que atenderá as 800 horas letivas e, por
consequência, sobre a quantidade de períodos que devem ser cumpridos pelo
professor. Com a orientação que está sendo passada pelas Coordenadorias, os
professores terão de cumprir, na jornada semanal de 20 horas, 15 períodos de
aula, o que contraria, inclusive, Ato do Secretário da Educação e Decreto do
Governador do Estado que, seguindo a Legislação Federal e Parecer do Conselho
Estadual de Educação, determinam a realização de 13 períodos.
A edição da Lei de
Diretrizes e Bases, de 1996, na qual está contida a exigência de que a carga
horária anual do ensino básico tenha, no mínimo, 800 horas letivas (§2º, artigo
23 e inciso I, do artigo 24), fez surgirem dúvidas sobre a forma de cumprimento
dessa jornada.
Em seguida, no ano de
1997, o Conselho Estadual de Educação aprovou o longo e detalhado Parecer de nº
705, no qual enfrentou os diversos aspectos pedagógicos dos dispositivos da nova
Lei, entre os quais aqueles que envolvem o cumprimento da carga horária
anual.
Naquele Parecer já se
indagava e se respondia qual seria o módulo aula que daria cumprimento à
exigência do mínimo de 800 horas letivas. Sobre essa questão diz o Parecer nº
705/1997, em sua página 3, o seguinte:
7.1. – A LDB utiliza
diversas expressões relacionadas à variável tempo. Na prática, somente a
oposição entre hora-aula e as demais tem alguma importância. Assim, podem ser
consideradas como sinônimo a “hora”, a “hora letiva” e a “hora de trabalho
efetivo”, todas consideradas com a duração padrão de 60 minutos. (grifos
nossos).
Trabalhou, desta forma,
o referido Parecer, na interpretação literal do texto da Lei, pois, por óbvio, a
palavra hora corresponde a um período de 60 minutos, não comportando outro
entendimento.
O Conselho Estadual de
Educação, entretanto, que é um órgão pedagógico e, apenas neste sentido,
normativo, trabalha com a sabedoria de quem conhece a realidade da escola e o
seu funcionamento prático. Ao se posicionar sobre o módulo hora de 60 minutos,
que é o período de tempo no qual professor e alunos mantêm diretamente a
atividade ensino, esclareceu que entre um período e outro há um intervalo que
consome, em média, 15% desse tempo e que deve ser computado dentro do mesmo.
Segue transcrita a orientação traçada pelo Parecer nº 705/1997, em sua página 4,
que diz o seguinte:
“Da 5ª série do Ensino
Fundamental em diante, até o fim do Ensino Médio, em qualquer de suas
modalidades de oferta, a necessidade de fazer corresponder a determinado período
de atividade um período de descanso não deve ser esquecido. Nesse estágio de
escolarização, é aceitável que se destinem até 15% do tempo total disponível ao
descanso.
Tal necessidade deve ser
levada em conta pela escola, tanto ao organizar sua jornada (quando se tratar do
Ensino Fundamental diurno), quanto ao definir o número semanal de horas-aula,
tendo em vista o cumprimento da carga horária anual mínima. Assim, a soma das
horas-aula cumpridas ao longo do ano, incrementada ao correspondente descanso,
deve totalizar 800 horas letivas anuais.”(grifos nossos).
Preocupou-se, assim, o
Parecer, não só em reconhecer o direito aos períodos de descanso como, por
consequência, em tratar de sua incidência sobre a organização do calendário
escolar e sobre o número semanal de horas-aula, não só para o aluno, como também
para o professor.
O CEED não disse isso,
entretanto, para diminuir a quantidade de atividade docente, mas por saber e
entender que esse intervalo não apenas é necessário, como também que nele
prossegue a interação do professor com o aluno.
Ao longo do tempo foram
expedidas Ordens de Serviço da Secretaria da Educação reproduzindo esse
entendimento, até que, em 2002, foi editado o Decreto nº 41.850/2002, que
consolidou essa interpretação formulada pelo Parecer nº 705/1997, definindo o
artigo 4º desse texto regulamentar, que a hora/aula deveria ser de 50 minutos no
diurno e 45 minutos no noturno, somadas às horas atividade que, naquele momento,
eram de 20% da jornada legal, integralizando a exigência de 800 horas letivas,
prevista na LDB.
Nos Governos que se
seguiram novas controvérsias a respeito do módulo hora, que dá conta do
cumprimento das 800 horas letivas, surgiram em Coordenadorias, sendo todas
superadas pela utilização das orientações estabelecidas pelo Parecer nº 705/1997
e pelo disposto no Decreto nº 41.850/2002.
Na atual Administração a
ratificação da orientação ditada pelo Parecer nº 705/1997 ocorreu através de
manifestação expressa do Ato Administrativo nº 1, do Exmo. Sr. Secretário
Estadual da Educação, que, incompreensivelmente, vem sendo desconhecido em sua
imperatividade pelas instâncias do órgão comandado por essa autoridade. Diz o
referido Ato nº 1, especificando a forma de distribuição jornada de trabalho, o
seguinte:
“O regime de trabalho de
20h semanais deverá ser cumprido da seguinte forma:
a) 13 horas de atividade
de docência ou e suporte de docência, exercidas no âmbito das unidades escolares
de educação básica ( Lei Federal nº 11.738/2008, art. 2º, §§ 2º e 4º),
independente da duração da hora aula definida pelo projeto pedagógico da escola
(Parecer CEED nº 705/97);
b) 7 horas-atividades,
...” (grifos nossos).
No mesmo sentido e com
maior força, o Exmo. Sr. Governador Tarso Genro editou o Decreto nº 48.724/2011,
que trata do Regulamento do Concurso do Magistério, no qual, em seu artigo 32,
está referida a aplicação do Parecer nº 705/1997, para fins do cumprimento da
carga horária e das horas atividade, conforme segue:
“Art. 32. O regime de
trabalho do Magistério Estadual é de vinte horas semanais que devem ser
cumpridas da seguinte forma:
I-
treze horas, de sessenta minutos, em atividades de docência ou de suporte de
docência, exercidas no âmbito das unidades escolares de educação básica (Lei
Federal nº 11.738, de 16 de julho de 2008, art. 2º, §§ 2º e 4º), independente de
duração da hora aula definida pelo projeto pedagógico da escola (Parecer CEED nº
705/97; e
II- sete
horas de atividade, de sessenta minutos, distribuídas a critério da
Administração Pública.” (grifos nossos).
Note-se que, mais uma
vez, não só o Ato do Exmo. Secretário de Estado da Educação como, também, o
Decreto do Exmo. Sr. Governador do Estado, determinam a realização, na jornada
de 20 horas e nas demais proporcionalmente, de 13 horas, de 60 minutos, em
atividade docente, e sete horas, de sessenta minutos, de outras atividade
pedagógicas, sempre se referindo à Lei Federal nº 11.738/2008 e ao Parecer CEED
nº 705/1997.
A interpretação agora
surgida, com as medidas adotadas para fazer cumprir a garantia da Lei Federal nº
11.738/2008, subverte essa orientação, que não só está há muito consolidada
como, também, está expressa em atos do Exmo. Sr. Secretário da Educação e do
próprio Exmo. Sr. Governador do Estado, pois pretende considerar que o módulo
aula é de 50 minutos e que os intervalos devem ser computados dentro do 1/3 no
qual o professor cumpre sua jornada fora da atividade de interação com os
educandos.
Essa fórmula não tem
como objetivo aumentar a disponibilidade do professor com o aluno, o que seria
por si só ilegal diante do limite de 2/3 da jornada de trabalho nas atividades
de interação com o educando. Sua finalidade é a de aumentar o número de períodos
aula de cada professor para atingir as 800 horas letivas, burlando o limite de
2/3 da carga horária nas atividades de interação com o educando.
O raciocínio da
orientação da Secretaria da Educação, na verdade, esbarra no fato de que não
pode querer usar para formação de novo módulo hora o que considera sobra em cada
período diante da hora relógio de 60 minutos, sem levar em conta que há um
limite de 2/3 na jornada de trabalho, que também são de 20/30 ou 40 horas
relógio.
Desta maneira, em
obediência ao que determina o §4º, do artigo 2º, da Lei Federal nº 11.738/2008,
o professor que tem uma carga horária de 20 horas semanais deverá desempenhar
atividades de interação com o educando no limite de 13 períodos aula de 60
minutos (contados com os intervalos já mencionados).
A Secretaria da
Educação, ao apresentar orientação na qual pretende computar os períodos aula
com o tempo de 50 minutos, reaproveitando os intervalos para compor outros
períodos, que terminam chegando a um número de 15, na jornada de 20 horas
semanal do professor, termina por descumprir o limite de 2/3 em atividades de
interação com o educando, ou exceder a jornada de trabalho.
É evidente que, como
constatou o Parecer nº 705/1997, os períodos de aula, para serem válidos no
cômputo das 800 horas, devem preencher 60 minutos, dos quais um percentual de
15% desse tempo, naturalmente será consumido pelos intervalos.
É preciso que se
compreenda, e nisso o Parecer nº 705/1997 foi muito claro, que os intervalos
estão incluídos, para o professor e para o aluno, naquilo que são as “atividades
de interação com o educando” a que se refere a Lei Federal nº 11.738/2008.
Pensar de outra forma seria, mecanicamente, acreditar que o professor termina a
aula após 50 minutos e, automaticamente, inicia outra com nova turma. Isso,
evidentemente, não acontece, pois, no intervalo, além do deslocamento do
professor, prossegue a conversa com os alunos, os esclarecimentos e a própria
relação social que integra o processo de ensino/aprendizado.
Na verdade, a Secretaria
da Educação está tentando opor o direito dos educandos de receberem um mínimo de
800 horas letivas anuais, asseguradas pela LDB, ao direito dos professores,
previsto na Lei do Piso do Magistério, de terem 1/3 de sua jornada de trabalho
disponível para as atividades pedagógicas que desenvolvem fora da sala de
aula. Tal atitude representa um equívoco de compreensão não só jurídica como,
especialmente, pedagógica. A previsão legal do período de 1/3 da jornada
disponível para a preparação da atividade em sala de aula não tem como
finalidade diminuir a quantidade de trabalho do professor, mas sim criar
condições para que desempenhe com mais qualidade sua atividade docente.
Portanto, não há
contradição entre os dois direitos, que devem ser cumpridos harmoniosamente,
seguindo uma interpretação sistemática e finalística das respectivas normas que
os asseguram.
É o nosso Parecer, à
consideração de Vossas Senhorias.
Porto Alegre, 29 de
fevereiro de 2012.
Jorge Santos
Buchabqui
OAB-RS nº
11.516
Assessoria Jurídica do
CPERS/SINDICATO
[1] Na verdade, o método
sistemático leva o intérprete a aplicar o direito inserido em um conjunto de
normas coerentes. Alíás, é oportuno o ensinamento do Prof. TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ
JR, ao afirmar que “a pressuposição hermenêutica é a da unidade do ordenamento
jurídico”. E a unidade do direito é pressuposto de racionalidade e
organicidade, que são implementadas por uma interpretação global e
sistemática”. Interpretação da Constituição e os Princípios Fundamentais,
Elementos para uma Interpretação Hermenêutica Constitucional Renovada, Editora
Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 1999, páginas 44 e 45
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