sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Denize será a primeira beneficiada por cotas indígenas a se formar na UFRGS

Ela exercerá a profissão na aldeia de nome Missão, onde falta atendimento em saúde

André Mags
O maior voo da Gónve começou em 2008, quando recebeu um telefonema da mãe dizendo que havia sido selecionada na reserva de vagas para indígenas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e respondeu:
— Eu vou.
Da reserva caingangue do Guarita, que ocupa áreas de Tenente Portela, Redentora e Erval Seco (noroeste gaúcho), Denize Leticia Marcolino, carinhosamente chamada de Gónve~(sabiá) na sua aldeia, abriu as asas da coragem, enfrentou tanto as desaprovações familiares quanto a saudade ferrenha da mãe e partiu rumo a Capital para cursar Enfermagem. Quase cinco anos depois, será a primeira universitária selecionada pelas cotas indígenas a receber o diploma pela instituição.
Para os caingangues, a família é tão importante que costuma passar a vida inteira junta. Poucos saem para cursar uma universidade, e dos que vão, muitos voltam sem concluir os estudos. Como confirmam o Ministério da Educação (MEC) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), os índios são o grupo populacional com menor número de universitários. Denize prometeu que com ela seria diferente.
Chegou à Capital após nove horas de viagem. O primeiro semestre foi turbulento. A saudade da família dilacerava o peito. Desnorteada na cidade, tomava táxis para se locomover entre a Casa do Estudante, na Avenida João Pessoa, e o Campus da Saúde, na Rua São Manoel. Gastava, assim, toda a bolsa, inferior a um salário mínimo. Nas aulas, não entendia perguntas. No restaurante universitário, estranhava a comida. E não falava com ninguém.
Passaram-se seis meses, e ela não desistiu. Aos poucos, os colegas conseguiram romper a timidez silenciosa da garota. Explicaram como pegar um ônibus. O acompanhamento de monitores reduziu as dúvidas nas provas. A comida ficou mais palatável. O teste decisivo, porém, ocorreu nas férias de julho de 2008, de volta à reserva.
— Cheguei e chorei. Era a minha casa, a minha vida. Minha mãe estava com muita saudade, mas só depois me confessou que, naquele dia, teve muita vontade de me dizer para ficar e desistir. Mas eu queria que os jovens da aldeia vissem que é necessário ir atrás das coisas para o nosso povo. Senão, nunca teremos autonomia, sempre dependeremos dos outros — afirmou.
Denize retornou aos estudos. Não repetiu nenhuma cadeira, celebra a diretora da Escola de Enfermagem, Liana Lautert. Gónve receberá o diploma ao som de Índio do Brasil (de David Assayag), sob ovação da mãe, Ivone da Silva, 43 anos, do marido, Josias de Mello, 25 anos, e dos cerca de 20 familiares e amigos que irão ao Salão de Atos trazidos de ônibus pela UFRGS.
Na semana que vem, a sabiá de 22 anos pousará na reserva, que a espera com uma casa nova, construída ao longo dos anos em que esteve em Porto Alegre, e um novo desafio do tamanho dos 23 mil hectares do Guarita. Ela sempre manteve a certeza, desde antes de entrar na UFRGS, que sua missão era ajudar seu povo.
Zero hora

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