terça-feira, 18 de outubro de 2011

Valorização dos professores: carta aberta ao governador Tarso Genro



   O que vou escrever aqui não é nenhuma novidade: educação de qualidade e transformadora só se faz com professores bem pagos, com tempo para refletir, escutar, dialogar e criar. A realidade do ensino público nos níveis fundamental e médio não poderia ser mais distante dessa obviedade. Mas essa é uma daquelas tragédias que vão perdendo sua capacidade de ferir, porque nos acostumamos. Ela não incomoda mais do que um segundo e passamos adiante, como se não houvesse jeito. Ela naturalizou-se.Desculpem-me se vão ler de novo sobre isso. Mas, se é verdade que muita gente tem dito essas palavras, é também real o fato de que nossos ouvidos perderam a sensibilidade para elas. E, se nos acostumamos, a vida dos governantes fica muito, mas muito fácil. O que se pede são salários dignos e, sobretudo, tempo remunerado para preparação de aulas, leitura, reflexão, inventividade. Fazer com que a carreira de professor seja desejada pelos jovens. Que eles olhem para ela e pensem que, além da realização pessoal, poderão morar bem, vestir-se com decência, criar seus filhos, viajar uma vez no ano. É pedir demais para quem investe tanto tempo em sua formação e desempenha o papel de formador dos brasileiros? Sugiro uma experiência. Perguntem a qualquer professor se deseja que seu filho siga a sua profissão. Eu fiz isso: as pessoas quase caíam em prantos ante a possibilidade.

   O fato é que os sucessivos governos estaduais (de diversos estados, mas aqui, me refiro, especificamente, ao Rio Grande do Sul) aproveitam muito bem a ideia de que não há como mudar verdadeiramente essa situação. Reiteram tal chavão quando estão no poder. De minha parte, me nego a acreditar nisso. Trabalho no magistério federal em nível universitário. Assim, minha condição financeira é bem menos injusta do que a dos meus colegas sobre os quais escrevo aqui. Porém, isso tem a ver diretamente comigo sim. Trabalho em um curso de licenciatura. Eu formo professores. Alguns de meus alunos farão mestrado e doutorado, serão professores universitários. Outros irão para as escolas da rede privada que, em parte, não foge da realidade que descrevo aqui. Mas, grande parte irá trabalhar na educação básica pública. Eles formarão a maioria dos cidadãos brasileiros. Gerações inteiras, proporcionalmente os mais precarizados e os que mais precisam de atenção, estímulo, esperança e qualidade. Se eu acreditasse que não há jeito desses profissionais terem salários e condições de trabalho dignas, como querem me fazer crer TODOS os governos, então eu iria procurar outra profissão.Não estou dizendo que se deva equiparar os salários do magistério ao dos deputados, juízes, promotores, procuradores. Isso seria imensa ousadia, não é mesmo? Poderíamos começar respeitando o piso nacional. Depois, poderíamos pensar em, digamos, R$ 3.000,00 para um iniciante com, no mínimo, 50% para atividades extra-classe. Claro, isso implica investimento. Aliás, educação não tem sido vista como investimento, mas como despesa. Educação não é algo barato. Não pode ser visto como algo que deva ser feito com poucos recursos. Se começar assim, uma política de governo só pode dar errado.Aqui, então, devo nomear declaradamente o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Votei nele e ainda não me arrependo do meu voto. Seu titubeio em instaurar o piso salarial nacional para o magistério, que ele mesmo criou quando estava no Ministério da Educação, foi assustador. Tornou-o igual à sua antecessora, de quem me eximo de escrever o nome em respeito a meus leitores. Agora, o governador Tarso Genro parece inclinado a pagar o piso, em ano vindouro. Contudo, quando se esperava algo realmente novo, suas modificações na educação estão relacionadas a uma avaliação dos professores. Que justiça há em avaliar pelo mérito e pelo desejo de aperfeiçoar-se, professores que trabalham 60 horas em três escolas diferentes, interagindo com centenas de alunos que eles têm a obrigação de aprovar no final do ano sem nem ter certeza de cumprirem os requisitos básicos? Vão cobrar que busque se aperfeiçoar, saiba lidar com o mundo virtual, inove, seja criativo, prospectivo e quantas mais palavras a mentalidade empreendedora inventar para transferir para os trabalhadores da educação uma responsabilidade que, só em parte, é deles.Avaliação é algo necessário, deve ser implantada com rigor, depois de amplo e eficaz diálogo com a comunidade de professores e com a sociedade. Porém, avaliação, tecnologia, gestão, qualquer coisa vem DEPOIS da concreta valorização do magistério. Só isso não basta, é certo. Depois, avaliações pertinentes devem trabalhar, junto com outras ações, para inibir e corrigir aqueles professores que não fizerem jus a seus salários. Mas a base de tudo está em professores bem pagos, Minha nossa, quantas vezes se tem que repetir essa obviedade?Um governo que se diz democrático e popular deve tomar como prioridade a instalação da valorização do magistério. Mas o governador Tarso Genro parece inclinado a fazer o mínimo. Parece que sua ideia é poder brandir, ao final de seu mandato “fizemos mais do que a nossa antecessora”. Governador Tarso, me escute: se Vossa Excelência ficar quietinho sentado na sua cadeira, já terá feito mais que sua antecessora que, além de aviltar como muitos o magistério, ainda desaforou e foi mal educada, grosseira e patética no trato com os professores. O partido dela foi uma forças mais nocivas contra o ensino público também quando ocupou o governo federal. Isso todos nós sabemos. Mas eu pergunto: é só isso que o senhor quer? Essa é a ideia que tem de si mesmo como político? O senhor será um governador desse tamanhinho, só? Ajude-me a não acreditar nisso.Com todo respeito, eu digo que a sua OBRIGAÇÃO, para honrar a trajetória de lutas que seu partido desenhou nas décadas de 1980 e 1990 é a de promover a valorização do magistério e, a partir daí, desencadear mudanças radicais na educação. Com que recursos, poderão perguntar. Mas eu sei, e sei que Vossa Excelência também sabe, que esses recursos cabe ao senhor e sua equipe terem criatividade para gerar. Tirem de algum lugar, encontrem, captem, sejam inventivos, ora. Estejam à altura de seus cargos e da confiança de milhões de gaúchos. Esteja o senhor à altura de seu próprio projeto como estadista. Não se contente em ser melhor que sua antecessora. Qualquer um seria.Escrevo tudo isso sem esperança de que gere verdadeiro efeito no poder ou no que quer que seja. No fundo, penso que talvez a única força que pode propulsar tamanha modificação nas mentes e no peito da sociedade e dos governantes, é uma retumbante ação de protesto por parte do magistério. Algo realmente grande e forte e pacífico e firme até o fim. Sem aceitar nada menos do que a concreta valorização. Mas será que ainda podemos exigir mais isso dos professores, que já fazem tanto, com tão pouco?Ainda assim, minha impressão é a de que, sem mobilização da categoria e da sociedade, o governo seguirá na cômoda posição de dar um pequeno aumento percentual e vangloriar-se de estar fazendo grande coisa. Será que posso ter esperanças de estar enganado?Por

Luís Augusto Farinatti