Epidemia de Aids no Estado exige atenção especial
Departamento
de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde demonstra
preocupação com números gaúchos
Juliano
Tatsch
No dia
1, foi celebrado o Dia Mundial de Luta contra a Aids. As atividades referentes
ao tema, porém, prosseguem durante todo o mês de dezembro. Conforme o último
boletim do Ministério da Saúde, divulgado em novembro, o Brasil tem uma taxa de
20,2 casos de infecção pelo vírus HIV para cada 100 mil habitantes. Os índices
no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, porém, são muito maiores. No Estado, a
taxa é de 40,2 casos por 100 mil pessoas, e, na Capital, é de espantosos 95,3
casos/100 mil. A alta incidência preocupa o governo federal, que olha com
especial atenção para a situação gaúcha. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o
médico epidemiologista e chefe da área de Vigilância, Informação e Pesquisa do
Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do
Ministério da Saúde, Gerson Fernando Mendes Pereira, fala sobre as
características da epidemia no Estado e em Porto Alegre e sobre as ações que o
governo federal tem desenvolvido para reduzir os números.
Jornal do Comércio - Tanto o Rio Grande
do Sul quanto Porto Alegre lideram os rankings de incidência de Aids nos
estados e nas capitais do Brasil. O Ministério da Saúde vê com muita
preocupação essa situação?
Gerson
Fernando Mendes Pereira - Não é deste ano que vemos isso com extrema
preocupação, como uma situação especial. É uma situação bastante preocupante.
Temos tido uma atenção especial ao Estado e ao município. A mortalidade também
é bastante alta no Estado. Há algumas causas. A epidemia no Rio Grande do Sul
é, principalmente, ligada às drogas, em especial, drogas injetáveis. Por outro
lado, o Estado tem a maior taxa de coinfecção por tuberculose, chegando a 30%,
e é isso que leva à morte. Além de tentar melhorar a qualidade dos serviços,
(temos de) ampliar a atenção para o diagnóstico. Estamos implantando o teste
rápido. O que está acontecendo no Estado é que o diagnóstico está sendo feito
de modo muito tardio. As pessoas chegam quase mortas.
JC - E o que vem sendo feito pela pasta
para reverter o quadro?
Pereira
- Nosso trabalho é no sentido de ampliar a quantidade de diagnósticos,
implantar testes rápidos, iniciar o tratamento, melhorar as unidades de saúde,
para que elas possam trabalhar em conjunto com outros programas, principalmente
com o programa de tuberculose. Montamos, em Porto Alegre, um comitê de
mortalidade. Hoje em dia, não é para ninguém morrer de Aids. Por que morre
tanta gente aí? Montamos, junto com todos os serviços do município de Porto
Alegre, com especialistas na área de epidemiologia e infectologia, um comitê,
do qual eu faço parte. Observamos todas as mortes que acontecem no município e
analisamos esses casos para entender o porquê da morte. Se o diagnóstico foi
tardio, se essa pessoa não aderiu ao tratamento, se abandonou o tratamento.
Estamos buscando as causas de morte. O que dizemos, nesse comitê, é que os
mortos têm de ajudar os vivos. Temos de entender por que se morre para
verificarmos que brechas temos na assistência. Podemos, assim, melhorar a
qualidade dos serviços e “colar” nesses pacientes, para que eles não morram.
JC - O comitê existe desde quando?
Pereira
- O comitê tem um ano. É coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde, e
participam todos os técnicos da rede municipal de saúde de Porto Alegre. O
comitê é uma referência, inclusive para levarmos essas ideias para outros
estados. Todo mês eu vou a Porto Alegre e nos reunimos. Virei gaúcho.
JC - Essa característica diferente da
contaminação exige ações diferenciadas?
Pereira - Sim. Nós temos uma epidemia de Aids no País. Mas temos 27
“países” dentro do Brasil. Cada um tem uma característica diferente. (No
Estado) Temos de trabalhar, e muito, de forma integrada com o programa de
tuberculose. A abordagem é específica para o Estado e para o município.
JC - Quais são os números de mortes no
Estado e na Capital?
Pereira
- No Rio Grande do Sul, tivemos, de 1980 até agora, 23.776 óbitos. Em 2011,
tivemos 1.383 mortes. No Brasil, o coeficiente de mortalidade em 2011 foi de
5,6 por 100 mil habitantes. O do Rio Grande do Sul é de 11,1 a cada 100 mil
pessoas. É bastante alto. Por isso que temos essa preocupação com o Estado e
com a Capital. Queremos reduzir a mortalidade, que é passível de redução.
JC - Essa redução passa por quais
questões?
Pereira
- Estamos aprimorando o acesso à rede de saúde no Estado. Isso é importante,
principalmente no diagnóstico precoce. O diagnóstico precoce tem duas
vantagens: do ponto de vista individual e do ponto de vista coletivo. Quando
você faz um diagnóstico precoce, você inicia o tratamento e não evolui para a
doença. E, com o diagnóstico, a sua carga viral diminui, na medida em que você
toma medicamentos. Consequentemente, a possibilidade de transmissão para outras
pessoas se reduz.
JC - O advento dos tratamentos, fazendo
com que a Aids deixasse de ser uma doença ligada à morte no imaginário popular,
fez com que o uso de métodos preventivos, como o preservativo, diminuísse?
Pereira - Isso ocorre. Hoje vemos no Brasil um aumento da Aids em
jovens, de 15 a 24 anos, principalmente jovens homens que fazem sexo com
homens. As pessoas nessa faixa etária não viram a cara da Aids no começo da
epidemia. As pessoas tinham sobrevida de seis meses após o diagnóstico. Hoje
não. Você tem o diagnóstico e se trata, tendo uma qualidade de vida tão normal
quanto a de alguém sadio. É preciso tomar remédios todos os dias, com efeitos
colaterais e reações adversas. Mas você não morre nem fica naquele estado
deplorável em que ficavam os doentes na era pré-terapêutica. Então, as pessoas
relaxam um pouco, porque acham que é uma doença crônica, como o diabetes, que
não vai te dar maiores transtornos. Mas não é bom tomar medicamentos até o fim
da vida.
JC - Por que ainda existe resistência
das pessoas em fazer os exames de diagnóstico?
Pereira
- A resistência se dá porque, principalmente, se tem muito preconceito ainda.
Outra coisa, e não é só em relação à Aids, é em relação a qualquer doença: as
pessoas preferem não saber. A epidemia no Rio Grande do Sul é muito mais de
droga do que de sexo, mas a Aids sempre está ligada a grupos homossexuais. Pode
ser que, no Estado, isso atrapalhe alguém que queira fazer o diagnóstico pelo
fato de ser confundido com um homem que faz sexo com homem ou com um
profissional do sexo. Há muito isso de cultura, as pessoas me dizem muito.
Jornal
do comércio
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