André Mags

— Eu vou.
Da reserva caingangue do Guarita, que ocupa áreas de Tenente Portela,
Redentora e Erval Seco (noroeste gaúcho), Denize Leticia Marcolino,
carinhosamente chamada de Gónve~(sabiá) na sua aldeia, abriu as asas da
coragem, enfrentou tanto as desaprovações familiares quanto a saudade ferrenha
da mãe e partiu rumo a Capital para cursar Enfermagem. Quase cinco anos depois,
será a primeira universitária selecionada pelas cotas indígenas a receber o
diploma pela instituição.
Para os caingangues, a família é tão importante que costuma passar a
vida inteira junta. Poucos saem para cursar uma universidade, e dos que vão,
muitos voltam sem concluir os estudos. Como confirmam o Ministério da Educação
(MEC) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), os índios são o grupo populacional
com menor número de universitários. Denize prometeu que com ela seria
diferente.
Chegou à Capital após nove horas de viagem. O primeiro semestre foi
turbulento. A saudade da família dilacerava o peito. Desnorteada na cidade,
tomava táxis para se locomover entre a Casa do Estudante, na Avenida João
Pessoa, e o Campus da Saúde, na Rua São Manoel. Gastava, assim, toda a bolsa,
inferior a um salário mínimo. Nas aulas, não entendia perguntas. No restaurante
universitário, estranhava a comida. E não falava com ninguém.
Passaram-se seis meses, e ela não desistiu. Aos poucos, os colegas
conseguiram romper a timidez silenciosa da garota. Explicaram como pegar um
ônibus. O acompanhamento de monitores reduziu as dúvidas nas provas. A comida
ficou mais palatável. O teste decisivo, porém, ocorreu nas férias de julho de
2008, de volta à reserva.
— Cheguei e chorei. Era a minha casa, a minha vida. Minha mãe estava com
muita saudade, mas só depois me confessou que, naquele dia, teve muita vontade
de me dizer para ficar e desistir. Mas eu queria que os jovens da aldeia vissem
que é necessário ir atrás das coisas para o nosso povo. Senão, nunca teremos
autonomia, sempre dependeremos dos outros — afirmou.
Denize retornou aos estudos. Não repetiu nenhuma cadeira, celebra a diretora
da Escola de Enfermagem, Liana Lautert. Gónve receberá o diploma ao som de Índio
do Brasil (de David Assayag), sob ovação da mãe, Ivone da Silva, 43 anos,
do marido, Josias de Mello, 25 anos, e dos cerca de 20 familiares e amigos que
irão ao Salão de Atos trazidos de ônibus pela UFRGS.
Na semana que vem, a sabiá de 22 anos pousará na reserva, que a espera
com uma casa nova, construída ao longo dos anos em que esteve em Porto Alegre,
e um novo desafio do tamanho dos 23 mil hectares do Guarita. Ela sempre manteve
a certeza, desde antes de entrar na UFRGS, que sua missão era ajudar seu povo.
Zero hora